Durante toda a minha formação no colégio e na faculdade, não tive nenhum professor negro. Foi apenas na minha igreja, na adolescência, que tive a sorte de aprender com um mestre negro: meu querido e já falecido João Claudino. Estudei em escolas e faculdades privadas e, em todo esse período, tive apenas um colega negro. Quando fui professor por 13 anos, dei aula para pouquíssimos alunos negros; se minha memória não falha, apenas um. A questão é que sempre foram poucos. Sempre me faltaram referências.
É curioso notar que, enquanto essas referências faltavam no dia a dia, no esporte, no cinema, na música e no futebol elas eram abundantes. Poderia citar uma lista enorme de ídolos, e ainda assim alguém ficaria de fora.
Conviver em um mundo predominantemente branco durante minha formação me fez perder parte da percepção. Não consigo compreender plenamente a cultura negra e sua luta. E não entender faz muita diferença. É no convívio que acontecem as trocas, é no convívio que aprendemos.
Outro dia, ouvi um homem branco comentar: “Agora tem muitos negros na televisão.” Rapidamente, percebi o tom de crítica. O curioso é que, quando quase todos na TV eram brancos, isso não o incomodava.
Emicida, uma das minhas referências, me ensina e continua ensinando, com sua arte, sobre as diferenças. Felizmente, algumas de suas letras estão perdendo força com o tempo. Em uma delas, ele diz: “E eu com boot branco, tão branco que eu chamo de elenco da Globo.” Essa realidade está mudando. Não é perfeito, mas já podemos celebrar: a Globo, por exemplo, mudou seu olhar.
Mas a questão da diversidade vai além. Precisamos expandir nossa percepção. Uma das filhas de Marcos Piangers, outra referência, perguntou por que, nos sinais de trânsito, o ícone das luzes para pedestres é sempre um menino. Aposto que, se você é homem, nunca reparou nisso. A menina sugeriu alternar entre um menino e uma menina a cada rua. Tão jovem, tão sagaz.
Vi um vídeo emocionante de pequenas garotas negras assistindo ao live-action de A Pequena Sereia, onde a protagonista é negra, interpretada por Halle Bailey. Foi de arrepiar: meninas emocionadas e mulheres adultas chorando.
Representatividade importa. Ela nos permite sonhar e enxergar. E isso não se limita à cor da pele ou à orientação sexual. Está relacionado à forma como buscamos nossas referências.
A diversidade é a base da criação. Apenas com ideias diferentes conseguimos construir algo realmente novo. Quando usamos sempre a mesma base, o resultado é repetição. E com repetição, nada inovador é produzido.
Nesta semana em que celebramos a Consciência Negra, quero aproveitar para agradecer a essa cultura tão rica, que tanto me ensinou. Recuperei tudo que perdi na minha formação com o convívio com queridos amigos negros. Ainda sou um velho homem branco, mas vocês me deram muito. Obrigado por todo o letramento que me deram.
Obrigado a:
João Diamante, Edu Lyra, Dilma Souza Campos, Thiago Ruivo, Ariovaldo Ramos, Adão Casares, João Claudino, José Soares, Renata Rosa Galiotti, Lina Moreira, Helenice Moura, Mirtes Reis, Julia Miranda, Vinícius dos Reis Mendonça, Beth Hotz, Meia-Noite (Marcos Oliveira), Jarbas, Jorge Luiz, Pelé, Emicida, Michael Jordan, Lewis Hamilton, Vini Jr, Lázaro Ramos, Barack Obama, Nelson Mandela, Gilberto Gil, Preta Gil, Jair Rodrigues, Iza (Isabela Cristina Correia de Lima Lima), Taís Araújo, Colin Kaepernick, Desmond Tutu, Benedita da Silva, Marielle Franco, Denzel Washington, Cuba Gooding Jr., Whoopi Goldberg, Louis Armstrong, Charlie Parker, Morgan Freeman, Djavan, Seu Jorge, Mussum, Will Smith, Tim Maia, Halle Berry e Alicia Keys.
Tenho certeza de que faltou alguém. Ainda assim, fico feliz por listar 48 nomes de pessoas incríveis. Desses, apenas 18 são amigos próximos com quem tenho a sorte de conviver; a maioria ainda são artistas e atletas. Todos me ensinaram algo valioso e contribuíram para me tornar o homem que sou hoje, mais consciente da cultura negra.
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One Response
Regi, quem dera todos estivessem abertos a aprender. Obrigada pelo cuidado!