Eu amo uma boa história. Admiro a capacidade que algumas pessoas têm de nos entreter falando por alguns minutos e apresentando suas narrativas. Jerome Bruner, psicólogo e educador, defendia que pensamos e damos sentido ao mundo por meio de narrativas. Ele chamou isso de pensamento narrativo:
“Nós organizamos nossa experiência e nossa memória de acontecimentos humanos principalmente em forma de histórias.”
Aprendi, na minha experiência pessoal, que memórias às vezes são enganosas, pois se transformam a cada vez que as acessamos, e não dá mais para saber se aquilo que lembramos é experiência real ou como a vivenciamos. A memória fica gravada, é fato, mas as sinapses que construímos a partir da nossa interação se transformam em sentido, e, de fato, nos dão sentido.
Gosto muito quando nos reunimos em família e contamos antigas histórias, pois juntos modelamos aquilo que aconteceu. A tradição oral é algo que aprecio muito. Um dos meus filhos me presenteou com uma ideia que se transformou em tradição da nossa família. Gustavo, um dia, pediu em um aniversário que lembrássemos de histórias que tínhamos com o aniversariante. A partir desse dia, isso se transformou em um costume familiar — um momento sempre especial.
Em alguns momentos, podemos não lembrar tão bem de um acontecimento. Me encanta a forma como cada pessoa registra algo que vivemos de forma especial. Sei que fazemos isso em sinapses, e tudo está relacionado à forma como interpretamos cada momento.
Algumas coisas são tão especiais que levaremos para sempre; outras marcam por serem ruins, mas também as registramos. O dia a dia comum, esse não gera apontamentos. Mas há um filme que amo, chamado Questão de Tempo, que recomendo assistir. Ele fala de uma família em que os homens têm o dom de voltar no tempo. O protagonista nos mostra que, depois de um tempo, passou a usar esse dom apenas para reviver dias comuns, para vivê-los sem as pressões que enfrentamos.
Cães e crianças vivem o momento. Eles não se preocupam com o dia de amanhã, o boleto que não está pago, a oportunidade de um novo emprego ou o passar do tempo. Eles vivem, estão sempre presentes, sempre aproveitando cada instante.
Boa parte do que somos vem dessa forma como transformamos as histórias em memórias. Walter J. Ong, padre jesuíta e teórico da comunicação, resumiu bem esse pensamento:
“O que não se pode lembrar, perde-se; e por isso o saber deve ser ritmado, narrado, contado.”
Grande parte do nosso conhecimento vem da tradição oral. Foi assim que começamos a entender o mundo — ainda crianças, ouvindo histórias à mesa, ao final das refeições. Eu sempre amei estar ali, mesmo que fosse para ouvir a mesma história contada por alguém da família pela enésima vez. Fico sempre me perguntando se o talento não está na forma como falamos, e não apenas no conteúdo. Mas devo advertir: há histórias que mudam nossa vida.
Pelo menos algumas mudaram a minha e tenho certeza que algumas mudaram a sua.
Se puder, reúna a família e crie um dia de narrativas. Uma boa dica é aproveitar antigas fotos — elas sempre nos dão uma ideia do acontecido. Mas lembre-se fotos são leituras, fragmentos do todo, e muitas vezes podem nos enganar. Quando contamos histórias juntos, construímos memórias incríveis.
Relembre momentos especiais em conjunto. Aprendi que algumas memórias individuais também são fragmentos, como as fotos, e, como tais, não trazem tudo o que aconteceu. No máximo, são nossas visões de um acontecido — mais concretamente, nosso ponto de vista.
Mantenha vivas suas melhores histórias. Reforce sua memória junto com aqueles que você escolheu para caminhar com você.
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