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Fonte: Reprodução Unsplash | Consumo

Eu preciso mesmo disso?

Semana passada, assisti à série Seus Amigos e Vizinhos (Your Friends & Neighbors), que estreou no Apple TV+ em abril deste ano. A série de humor negro e crime é boa diversão. Meu destaque fica para uma crítica à sociedade de consumo em que vivemos — no caso da série, aos endinheirados de um condomínio chique fictício, Vestmont Village, nos Estados Unidos, próximo de Nova York.

Uma das críticas que li no The Guardian aponta que: “A série acerta ao retratar o consumo como parte do ego: não se trata do que você tem, mas do que os outros acham que você é”. Todos nós, em algum momento, já nos rendemos a algum comportamento basicamente para nos encontrarmos em determinado grupo, buscando nossa identidade social.

O problema é que esse consumo parece não ter fim, pois os personagens da série vivem numa anestesia emocional — eles compram, reformam e ostentam para não lidar com suas insatisfações, infidelidades e inseguranças.

Minha mente de planejador biruta não me deixou de relacionar o consumismo da série americana com um episódio que assisti esta semana no Globoplay, do Programa do Bial, de 5 de junho, em que o apresentador Pedro Bial entrevista o cantor e compositor MC Cabelinho. Ele dispara uma provocação potente:

Se você não gosta do que eu canto, tá tudo bem, mas eu não vou deixar de cantar minha realidade só porque você quer. Se você quer que eu não cante o que eu canto, mude a minha realidade.” — MC Cabelinho.

Fico perplexo ainda em lembrar e relacionar a força das letras de Gil, na música dos Paralamas, A Novidade: “Alguns a desejar seus beijos de deusa, outros a desejar seu rabo para a ceia. Ó mundo tão desigual, de um lado este carnaval, de outro a fome é total.”

Me perturba ver esses dois mundos convivendo sob o mesmo sinal de TV, vendo as mesmas coisas e crescendo com as mesmas referências. O padrão do consumo identitário é, em grande parte, acelerado por uma ferramenta de criação de desejo que hoje não vive mais apenas nas peças publicitárias, mas que absorveu os conteúdos nas redes. Hoje, parece que todo mundo tem alguma coisa para vender — nem que seja “assista ao meu próximo vídeo de 1 minuto”.

Entendo que a consciência é algo muito particular — ela é fruto de amadurecimento e vivência. Todo mundo deveria ter a chance de experimentar. Como dizia um amigo: “Eu sei que o dinheiro não traz felicidade, mas eu queria muito experimentar um pouco.”

Não me sinto em condição de julgar quem compra um relógio Richard Mille da linha Felipe Massa, avaliado em US$ 300.000. Não tenho capacidade de entender essa realidade. Para mim, não faz nenhum sentido — mas a minha realidade é diferente. É provável que alguém olhe minha vida e encontre traços desse consumo que cria minha identidade, mas tenho aprendido a me desfazer disso.

Decidi lutar contra o acúmulo. Percebi que guardo coisas sem nem saber bem por quê. Comecei a perceber isso com livros: eu os mantinha numa estante e percebi que, na grande maioria, nunca mais os manuseava. Aprendi a separar livros de referência dos de leitura simples — estes últimos hoje não guardo mais; simplesmente presenteio amigos.

Tomei outro hábito simples: se uma roupa nova chega ao meu guarda-roupa, uma antiga deve sair. Hoje, como já fiz disso um comportamento, não me sinto mais constrangido, mas no passado já doei roupas que nunca usei — ainda com etiquetas. No meu caso, foram presentes, mas não deixam de ser um excesso que eu deveria estar combatendo.

Vejo surgir uma nova geração de consumidores desapegada. Não sei se os entendo completamente, mas sei que não conseguiremos vender um Richard Mille para eles, pois me parecem relacionar o consumo ao impacto desse comportamento.

Essa lógica que sempre fortaleceu as grandes marcas, para mim, está em xeque. A falta de ambição das novas gerações demonstra que eles estão buscando outro tipo de consumo. Entendo que estamos mudando as perspectivas. Por exemplo, os gastos com viagens devem continuar crescendo, pois eles entendem este consumo de outra forma.

Hoje, meu texto não terá o conforto de uma resposta final clara. Entendo que nos cabe responder ao questionamento do MC Cabelinho, para que sua música possa falar de novas realidades. E, ao mesmo tempo, precisamos estar atentos a como as marcas de alto luxo vão se comportar diante do avanço da consciência — uma consciência que vê pouco sentido em andar com uma peça de metal no braço que poderia sustentar algumas famílias por um ano.

Se a construção das consciências é uma jornada, talvez o consumo precise, antes de tudo, de pausas.

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