Me frustra, muitas vezes, ver como o futebol, controlado pela política, perde a chance de buscar o profissionalismo e as ferramentas de gestão de marca e marketing para fortalecer a identidade de um dos maiores ativos que temos: nossa seleção nacional.
Nos últimos dias, a Seleção Brasileira foi destaque na mídia, mas não por conquistas ou pelo bonito futebol, e sim pela tumultuada troca de comando na CBF e por dois outros acontecimentos: a possibilidade de um novo design na camisa da seleção, com o uniforme número dois passando a ser vermelho, e, mais recentemente, o anúncio do novo técnico. O italiano Carlo Ancelotti assume o comando da nossa equipe, com algum questionamento por não se tratar de um técnico brasileiro.
Minha provocação neste texto é falar unicamente dos dois últimos assuntos, pois, para mim, são eles que refletem mais na construção da identidade da Seleção Brasileira, e em todo o exercício e esforço feito na gestão de sua marca.
Quando olhamos para os ativos, podemos dizer que nenhuma outra seleção tem tantas conquistas. O Brasil lidera esse ranking com cinco títulos mundiais. Cabe a nós também outro feito: somos a única seleção que participou de todas as Copas do Mundo. Escrevo isso em 24 de maio, antes do fim da classificação para a próxima Copa, mas creio que só um acidente nos tiraria da competição.
Temos o maior jogador da história do futebol: Pelé, que conquistou o mundo com seu talento, vigor físico e, principalmente, com suas conquistas. Mas também somos referência com nomes como Garrincha, Romário, Ronaldo Nazário, Ronaldinho Gaúcho e Zico. Eu ainda acrescentaria Rivaldo, Sócrates e Tostão.
Recentemente, com a criação das eleições anuais dos melhores do mundo, tivemos seis brasileiros eleitos pela FIFA: Romário (1994), Ronaldo Nazário (1996, 1997 e 2002), Rivaldo (1999), Ronaldinho Gaúcho (2004 e 2005), Kaká (2007) e Vinícius Júnior (2024). Já na Bola de Ouro da France Football, foram quatro vencedores: Ronaldo Nazário (1997 e 2002), Rivaldo (1999), Ronaldinho Gaúcho (2005) e Kaká (2007). Se somarmos as duas premiações, o Brasil lideraria com 14 conquistas no total.
Todas essas conquistas ajudam a construir a força da camisa amarela e da nossa seleção. E, quando avançamos na identidade, notamos que o mundo convencionou chamar nosso estilo de “futebol bonito”, expressão que a Nike aproveitou em uma de suas campanhas com o icônico “Joga Bonito”. Para muitos, somos o país do futebol — junto com o samba, uma das referências mais fortes quando um estrangeiro precisa definir o Brasil em uma ou duas palavras.
O conceito de futebol-arte também tem o Brasil como uma de suas expressões. Produzimos grandes talentos que encantaram torcedores de todo o mundo com criatividade e habilidade.
Interessante como um produto com tantos ativos, tantas memórias positivas, tantas referências de construção de marca, acaba gerando cada vez menos interesse mundial. Para mim, o problema está bem aqui no nosso quintal: o desinteresse dos jovens pelo esporte e pela seleção é o maior sinal de que algo está errado.
Minha percepção é que os políticos que comandam o futebol sequer pensam nisso. Confundem o sucesso da CazéTV em transmissões e deixam de analisar sinais importantes. Um levantamento feito pelo Datafolha em 2018 apontou que 35% dos jovens entre 14 e 24 anos não têm qualquer interesse por futebol. O instituto ouviu 2.826 pessoas em 174 municípios — ou seja, a margem de erro é bem pequena. Se eu fosse dirigente da CBF, faria levantamentos regulares e ajustaria a rota com base neles.
Sobre o técnico italiano comandando nossa seleção: não é exatamente uma novidade. Tivemos três estrangeiros anteriormente: o uruguaio Ramón Platero (1925), o português Joreca (1944) e, com menos efeito, Filpo Núñez, que dirigiu a seleção em 1965, num único jogo em que o Palmeiras representou o Brasil.
Meu levantamento deixa evidente que não temos tradição com técnicos estrangeiros, nem conquistas com eles. Portanto, é natural o estranhamento. Mas também é possível olhar o copo meio cheio: estamos trazendo um dos maiores treinadores do mundo, com muitas conquistas, que, na opinião de muitos, deixa o comando do maior time do mundo para treinar o Brasil. Pode-se estranhar a opção, mas não a escolha: a CBF escolheu um dos melhores nomes disponíveis no mercado mundial.
Essa escolha, aliás, reflete a realidade da Série A do Brasileirão: nove dos 20 clubes da principal divisão são comandados por técnicos estrangeiros. Isso acontece, em parte, pelo aumento das receitas e investimentos no futebol brasileiro, e em parte pela carência na formação de bons profissionais locais.
Sobre a possível camisa vermelha na próxima Copa, entendo que a motivação é puramente comercial. Cores iguais reduzem as vendas, pois muitos torcedores reaproveitam camisas antigas. Já um novo design atrai os mais apaixonados. É um movimento comum entre grandes seleções, e não há prejuízo na estratégia de marketing — há apenas a paixão falando mais alto nas críticas.
Acredito que flertamos com um grande acerto em 2023, quando usamos, no primeiro tempo de um amistoso contra Guiné, um uniforme preto com detalhes amarelos. A ação foi simbólica, mas acanhada — natural para uma CBF que não tem trabalho concreto na luta contra o racismo. Ainda assim, ali havia a chance de criar uma identidade forte. Pensando que parte dos jogos da próxima Copa será nos Estados Unidos, seria incrível termos um uniforme negro, celebrando os muitos atletas negros que vestiram nossa camisa.
Branding é mais do que cores e design. É sobre identidade, paixão e, principalmente, objetivos. A Nike quer vender camisas. Mas a CBF deveria olhar para o futuro e pensar: como podemos voltar a ser o futebol que encanta o mundo?
Tenho percebido uma antipatia crescente pelo nosso estilo de jogo. Isso começa com as críticas ao “cai-cai” do Neymar, e se intensifica com a repulsa às danças de Vini Jr. nas comemorações. São casos distintos — não vejo racismo com Neymar, mas sim rejeição à sua imagem. Em ambos, porém, há um ponto comum: o talento brasileiro deixou de encantar. Perdemos isso.
O mundo quer vencer tanto quanto nós. O futebol evoluiu em muitos países. O nível técnico é altíssimo. Entendo até que seria saudável para o futuro deste esporte termos uma seleção campeã vinda de fora da Europa ou América do Sul.
Não tenho respostas para o futuro do futebol brasileiro, mas, como profissional de branding, seria totalmente contrário ao uso de uma camisa vermelha. Não vejo benefício além de um aumento temporário nas vendas — talvez até decepcionante. Há inteligência no mercado para buscarmos mais que apenas isso.
Já acertamos com Carlo Ancelotti. Agora, se identidade já não nos importa, então sim — a camisa vermelha é uma grande oportunidade de ganharmos alguns trocados.
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