Outro dia, devido a uma situação inusitada, me vi sem meu celular e percebi que só conhecia um número de telefone de cor, que tinha apenas um contato em minha mente. Ainda consigo lembrar de todos os números de telefone fixos das casas onde morei, mas não memorizo mais nenhum número novo.
Hoje, com alguns aplicativos, nem precisamos mais fazer ligações; basta acionar um dispositivo e pedir a ligação por comando de voz. Essa é a essência da tecnologia: atender às nossas necessidades, resolver problemas, melhorar a eficiência e facilitar a nossa vida cotidiana, promovendo o progresso em diversas áreas.
Para mim, é simples: meu cérebro sabe que posso acessar os números no celular, então ele não se preocupa em memorizá-los. Atualmente, percebo quão seletiva minha memória se tornou. Para alguns assuntos e temas, tenho espaço na minha mente para armazenar informações, mas em outros casos, como a agenda telefônica, minha memória não se esforça mais.
A memória é uma tecnologia que facilita nossa vida. Esse processo complexo e fascinante, chamado de cognição, é responsável por nossa identidade, envolvendo a aquisição, armazenamento e recuperação de informações em nosso cérebro. Ela garante a repetição da rotina, ajuda-nos a encontrar o caminho para o trabalho e até a escolher com quem seria melhor almoçar, lembrando-nos também das opções de comida disponíveis em cada restaurante.
A memória também nos conecta às pessoas queridas e nos motiva a fazer ligações inesperadas durante o dia apenas para dizer que as amamos. Quando encontramos alguém que perdeu sua memória ou está com a capacidade de memorização reduzida, é comum sentirmos como esta pessoa perde parte de sua capacidade de interação.
A memória é uma habilidade que requer prática, treinamento e estratégia. Desafiar o cérebro com jogos casuais simples ou revisar informações pode torná-la mais eficiente. Quanto mais utilizamos nossa memória, mais eficaz ela se torna.
Estamos deixando de memorizar. O fenômeno da falta de memória para números de telefone é compreensível, mas gostaria de abordar um comportamento mais complexo. Hoje, em uma simples festa de aniversário, é comum vermos muitas pessoas filmando ou fotografando.
Num simples aniversário você nota um grande grupo de pessoas produzindo conteúdo. É um ato simples e instintivo, mas que muda nossa posição e contexto no evento. Quando nos reunimos para cantar “Parabéns”, nossa atenção e memória estão focadas nessa ação.
No entanto, quando temos que filmar a cena, nossa memória se concentra no uso do equipamento e em técnicas para capturar o melhor momento. Isso fragmenta a ação, pois agora estamos focados na produção de um filme. Ao final, teremos um registro, uma fração do todo, muitas vezes completa, mas se tivéssemos confiado apenas na nossa memória, teríamos uma lembrança mais ampla do momento.
Nossa memória envolve todos os nossos sentidos e nos proporciona uma experiência completa, enquanto a comunicação mediada por dispositivos é muitas vezes fria. É importante lembrar que o som da voz de alguém que amamos pode até nos fazer chorar, então não nos acostumemos com a frieza dos ruídos digitais.
A memória é fundamental para o raciocínio. Vivemos em um mundo rápido, com informações ao alcance dos nossos dedos. A geração atual, acostumada com o uso de dispositivos digitais desde cedo, pode acessar informações em questão de segundos, mas nem sempre percebe a diferença entre ter acesso à informação e processá-la de forma crítica.
A externalização da memória, confiando em smartphones e computadores para armazenar informações que normalmente seriam memorizadas, é um padrão comum entre os jovens. No entanto, a memória desempenha um papel crucial na formação do raciocínio. Quando raciocinamos, criamos lógica, fazemos inferências, chegamos a conclusões e resolvemos problemas, utilizando nossa memória como base.
Ao armazenar informações em dispositivos, podemos estar reduzindo nossa capacidade de raciocínio e de fazer associações rápidas.
As informações fáceis ao alcance dos dedos têm seu lugar, mas não devemos nos contentar apenas com o simples e o rápido. Não desperdicemos a capacidade de nossos cérebros.
Estou percebendo entre os jovens uma falta de contexto e repertório, refletida na dificuldade de fazer associações e buscar soluções criativas. Isso resulta em uma consciência reduzida e numa menor capacidade de encontrar novas soluções. Um universo de repetição ou então um apego grande a soluções prontas feitas por um equipamento.
A ciência ainda não compreende completamente o potencial da nossa máquina de pensar, que estima-se contém cerca de 86 bilhões de neurônios (células nervosas). A maioria de nós usa apenas uma fração dessa capacidade diariamente. Não reduza ainda mais este uso. Sucesso na carreira!
Gostou do conteúdo? Acesse nossa home e veja mais.
Acompanhe também nosso perfil nas mídias sociais.