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A menina que roubava atenção

Lelo Brito

O ano de 1987 foi agitado e marcante para os brasileiros. Ayrton Senna se tornou o primeiro brasileiro a vencer o GP de Mônaco de Fórmula 1. Cinco meses depois, Nelson Piquet venceu a temporada e se sagra tricampeão. Como nem tudo são flores, o Brasil entrou para a história radioativa da humanidade com o acidente com Césio 137 em Goiânia, considerado o “maior acidente radiológico do mundo ocorrido fora de uma instalação nuclear”.

Alheia a esses e muitos outros fatos, uma garota de 11 anos estava vivendo mais um de seus dias normais, fazendo sua aula de Educação Física, repetindo os mesmos movimentos de suas colegas de classe. De repente, ela começa a se sentir um peixe fora d’água, como se não se encaixasse na turma. No vestiário, quando ela e as outras meninas tiram seus uniformes suados, descobre que, diferente de todas, é a única que ainda não usa sutiã. Envergonhada, ela se esconde atrás da porta do armário para terminar de se trocar.

Aquilo ficou martelando na sua cabeça enquanto voltava para casa. “Por que todas as minhas amigas usam sutiã e eu ainda não? Será que eu não preciso? Será que um dia eu ainda vou usar?” Mal sabia ela que, enquanto estava na escola, sua mãe tinha deixado um presente sobre sua cama. Certamente, quis alegrar um pouco a filha pré-adolescente que, como toda pré-adolescente, tem a cabeça invadida por uma tsunami de angústias da fase.

Chegando da escola, nossa personagem se joga na cama, com toda dramaticidade que só uma jovem angustiada de 11 anos é capaz de trazer a uma história. Como sempre, os braços cruzados sobre a boneca e o beiço aborrecido acentuam o humor da menina, que muito provavelmente voou para o quarto sem ouvir o final da pergunta sobre como tinha sido o dia. Mas, nem deu tempo de bufar sua frustração até o final, pois seus olhos captam um embrulho delicado no pé da cama.

Curiosa como todo jovem nessa idade, ela apanha a caixa e, delicadamente, o desembrulha, retirando com a mesma delicadeza o seu conteúdo: um sutiã!

Tomada por uma alegria espocante, a menina salta da cama, corre até o espelho e tira a camisa do uniforme da escola, colocando imediatamente o presente. Não acreditando no que vê diante de si, a menina fica se admirando por todos os ângulos, fazendo caras e poses, se sentindo cada vez mais “mocinha” a cada movimento. “Chega de ficar em casa. Agora eu preciso mostrar o meu presente para o mundo”, pensa ela enquanto se troca correndo.

Agora, nossa personagem caminha confiante pelas ruas, com uma camiseta justinha, realçando o seu corpo e suas formas, com um andar mais feminino, mais mulher. De repente, um garoto que cruza seu caminho não resiste e, sorrindo, quase perde o equilíbrio para tentar acompanhar aquela moça linda, confiante e poderosa. Ela, por sua vez, encabulada, usa um fichário como escudo, reprovando o olhar apaixonado do rapaz. Mas, assim que ele se afasta, ela continua seu caminho, desta vez com um sorriso vitorioso no rosto, como o de alguém que acaba de vencer o desafio da baixa autoestima.

A história acima foi protagonizada por milhões de meninas no final do século XX, mas a versão mais famosa foi representada pela atriz Patrícia Lucchesi e roteirizada por Washington Olivetto na campanha conhecida como “Meu primeiro sutiã”, feita para a marca de lingeries Valisère.

Na época, a Propaganda já enfrentava uma competição assimétrica com os demais conteúdos exibidos pelas mídias. Notícias, filmes, novelas e musicais dominavam a atenção do público em geral, que detestava ter seu conteúdo interrompido por uma mensagem de um dos patrocinadores do veículo. Fora a briga com as comunicações da concorrência.

Cientes disso, Olivetto e seu time quebravam a cabeça para encontrar formas de trazer a atenção das pessoas para as marcas de seus clientes. Assim que o job da Valisère chegou à equipe, decidiram que aquela deveria ser uma campanha disruptiva e a melhor maneira de se fazer isso era evitar o mesmo caminho por onde a Propaganda à época andava.

Em vez de corpos esculturais, em poses sedutoras sob uma luz lânguida, tudo costurado por um texto cheio de segundas intenções, por que não contar uma história sobre a relação de uma mulher com uma das peças de vestuário mais importantes na vida feminina? E por que não uma história emocionante, cuja personagem principal é uma garota iniciando essa relação?

A aposta foi certeira e, além de conquistar os corações e mentes dos brasileiros – não apenas das meninas, mas de seus pais e mães também – por anos, a campanha ganhou prêmios no Brasil e no exterior, elevou a Propaganda brasileira como referência de padrão de qualidade mundial e colocou um brasileiro pela primeira vez no Hall da Fama Mundial da Publicidade. A partir desse comercial, o sarrafo da Criatividade brasileira subiu alguns metros e as agências começaram a correr para acompanhar essa acelerada que a W/Brasil deu na qualidade das campanhas publicitárias. Não é à toa que nossa Propaganda foi referência mundial por anos, sempre no top 3 em número de Leões no Festival de Cannes.

Enfim, nesta pequena história, vimos que 1987 foi agitado, mas foram a angústia e a glória de uma menina de 11 anos que tornaram o ano memorável para a Propaganda brasileira.

Por hoje é só, mas ainda tem mais um monte de outras histórias para serem contadas.

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