Fico assustado com o volume de bobagens que chegam até mim nas redes sociais ou mesmo quando amigos me recomendam dicas em mensagens de WhatsApp. São informações sem nenhuma base científica, apresentadas por seus autores como se estivessem nos presenteando com sua bondade. O engraçado é que, em sua grande maioria, essas informações induzem as pessoas a comprar algo ou assistir a um vídeo, demonstrando que o interesse é puramente comercial.
O Dr. Google é uma praga que assola médicos e confunde pacientes em todo o mundo. Uma das recomendações mais absurdas é o uso de vinagre de maçã para a cura de diversos males. Há inúmeras referências sobre isso na internet. O triste é que muita gente boa acaba iludida por essas informações.
Acabei de ver a série Vinagre de Maçã (Apple Cider Vinegar), da Netflix. Ela é bem recente, lançada este ano, e acredito que todo estudante de comunicação deveria estudá-la para entender um pouco do fenômeno das redes sociais.
Baseada em uma história real, a série cria uma narrativa nova para abordar diferentes casos, daí a escolha do nome Vinagre de Maçã. A trama acompanha duas influenciadoras digitais que têm câncer. A carismática Belle Gibson constrói seu império no mundo do bem-estar, afirmando ter curado um câncer terminal por métodos alternativos. No entanto, sua verdade começa a ruir quando sua fraude é desmascarada. A outra influencer, Milla Blake, de fato tem câncer e busca uma cura alternativa, que acabou por lhe custar a vida aos 28 anos.
A série é inspirada no livro The Woman Who Fooled the World, dos jornalistas Beau Donelly e Nick Toscano, e expõe os perigos da desinformação, além do impacto das mentiras nas redes sociais.
Como já aprendemos, a mentira vende. Mas, como publicitário, me incomoda pensar que as pessoas podem ser tão crédulas. Será mesmo que alguém, na cozinha de sua casa, pode descobrir a cura do câncer a partir de receitas e produtos encontrados no supermercado? Às vezes, acho isso tão ofensivo.
Perguntei ao ChatGPT se ele tem ideia de quantos cientistas existem no mundo. A resposta foi que temos entre 7 e 8 milhões de pesquisadores, já adianto que acho que ele errou, pois creio que o número é bem maior. São pessoas que se preparam, estudam e podem passar a vida inteira pesquisando uma doença, sem nunca chegar nem perto da sua cura.
Podemos falar do câncer, algo tão cruel, mas também de Alzheimer e Parkinson – duas doenças que, particularmente, odeio. Convivo com doentes dessas enfermidades em minha família e acredito que compreendi um pouco do drama que faz a mentira ganhar força.
No início dos tratamentos, todos somos otimistas. Mas, com o sofrimento do processo – e mesmo com a falta de melhorias no quadro clínico –, é natural que familiares e os próprios pacientes passem tempo na internet buscando alternativas. Infelizmente, o Google responde a tudo e a todos.
Para fazer este texto, pesquisei no Google: “Existe um tratamento alternativo para a quimioterapia no tratamento do câncer?” A ferramenta respondeu:
“Terapias complementares, como acupuntura, ioga e meditação, costumam ser usadas em conjunto com tratamentos convencionais contra o câncer de mama, como a quimioterapia.”
Se isso não fosse grave o suficiente, logo abaixo havia quatro anúncios promovendo serviços relacionados. Algo normal – é assim que o Google ganha dinheiro –, mas também é assim que pessoas enganam pessoas.
Fico me perguntando quanto esforço de comunicação será necessário para que as pessoas não tenham mais medo de tomar vacinas. Sempre que alguém me diz que não se vacina porque “a eficácia não é comprovada”, penso que essa pessoa está rindo dos 7 a 8 milhões de pesquisadores no mundo. Penso que ela me transporta de volta à Idade Média. Penso nela como um privilegiado com acesso à informação exclusiva – que, ironicamente, só ele parece ter.
Serão precisos anos de comunicação para reverter o atual quadro de resistência à vacinação. Mas, então, por que as pessoas acreditam em curas milagrosas ou em teorias obscuras de que uma vacina faz mais mal do que bem?
No primeiro caso, é fácil entender. O desejo da cura cria esperanças que nos levam a crer em qualquer coisa. Conheço casos de pessoas que buscaram curandeiros e clínicas sem autorização porque a dor da perda de alguém querido os cegou, fazendo-os acreditar em tudo e em todos que lhes oferecessem uma esperança.
Você, que me lê, tem a responsabilidade de cobrar das grandes empresas de tecnologia uma atitude mais consciente. Não seria melhor se o Google recomendasse que a pessoa procurasse um médico? Quantos vídeos de receitas milagrosas ainda vão infestar o Instagram, o Facebook e, por tabela, o WhatsApp? Quantas Millas ainda teremos que perder?
A desinformação é, talvez, a maior doença do nosso século. Conto com você para lutarmos contra isso.
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