Viviane Camargo, publicitária e fundadora da Aurora Branding, com passagem por grandes agências, como DM9DDB, McCann-Erickson e JWT Curitiba, em conversa com o Creativosbr, explanou sobre o que é branding e porquê essa estratégia tem se tornado cada vez mais importante para as organizações.
O que é branding?
Branding é o processo de construção da marca. E tão importante quanto explicar o que é branding, é explicar o que é marca: marca está relacionada à imagem, pode ser de uma empresa, um produto ou serviço. A marca de uma organização é construída através das suas manifestações visuais e verbais, como: identidade visual, ou seja, todo o seu universo visual – logomarca, ícones, cores, tipografia -; sua comunicação verbal, linguagem, tom de voz, como não se expressa e como uma empresa se posiciona no mercado para se diferenciar das outras. Esse conjunto de definições [de marca] é o branding. Ou seja, é uma série de estratégias e metodologias para construir a correta imagem e associações a uma marca. Portanto, o branding é o processo, é o como se constrói essa imagem da forma mais apropriada possível.
Por onde começar a aplicar o branding?
O trabalho de branding sempre começa de dentro pra fora, ou seja, dentro da empresa: nessa primeira fase a intenção é descobrir o que essa empresa faz, o que ela se propõe a fazer, qual é o propósito dessa organização – pergunta-chave do branding -, e essas descobertas são feitas por meio de conversas com gestores, colaboradores, vendedores e público interno. Após essa fase, a compreensão sobre aquela empresa se direciona para a percepção externa, consumidores, fornecedores, ou seja, todos os stakeholders, para entender se toda aquela verdade vista no início do projeto está sendo traduzida para o público externo. O branding trabalha muito com realidade e percepção, então no final desse processo de análise é preciso alinhar as duas coisas. E a função do branding é traçar uma identidade para que tudo fique alinhado, para que todos os públicos vejam a marca da mesma forma e com a mesma percepção. Então na implementação, o público interno é o primeiro impactado. E a razão para traçar essa estratégia de dentro pra fora é porque o branding trata de propósito, essência, DNA, cultura e principalmente de identidade.
Esse trabalho que começa internamente é a construção da cultura?
Exato, porque se não for trabalhado internamente se torna algo que não é verdadeiro. A empresa precisa internalizar a sua identidade para depois naturalmente essa marca se externalizar para outros públicos.
Quais são os benefícios de possuir uma estratégia de branding?
São vários. Pela nossa experiência aqui na Aurora, nós vemos que nossos clientes têm duas grandes dores que se traduzem depois nos benefícios que o branding entrega. A primeira é a frustração das empresas de possuir uma comunicação sem foco, de não ter uma identidade estabelecida, por exemplo, temos um cliente aqui na Aurora que não sabe se deve responder nas redes sociais com bom humor ou com de maneira mais séria, porque se trata de uma instituição de ensino superior, isso porque ainda não foi decidido o tom de voz da marca. Então essa falta de foco da comunicação da empresa é uma das grandes necessidades que faz com que uma empresa procure a Aurora. Nesse caso, o branding alinha essa necessidade e fornece quais serão os passos a seguir daquele momento em diante e pelos próximos anos. Ou seja, o branding vai organizar e dar uma diretriz para todas as ações de marketing e RH, quando se fala do público interno de uma organização, e direcionar aquela marca. E a segunda dor, sendo uma consequência da primeira, a empresa possui uma verba alta disponível para o marketing e ao final do ano a sensação que se tem é que o investimento foi gasto e a empresa não construiu a imagem que gostaria e que muitas vezes não sabe qual é. Nesse caso o branding ajuda a empresa a encontrar essa imagem, ou seja, qual a sua identidade, e traça um plano muito claro para isso. Então essas duas dores fazem com que a organização não construa de forma sistêmica e organizada as associações que a empresa quer que o público tenha quando pensar na marca.
E organizar a identidade e comunicação da marca é o que faz com que ela seja lembrada pelos consumidores?
Exatamente, essa organização é fundamental na etapa de implementação do branding. E para que isso aconteça [lembrança da marca] é preciso haver consistência na comunicação dessa marca. O Itaú Unibanco é um grande exemplo dessa “consistência”: o som da marca, as cores, a tipografia, o tom de voz são os mesmos há muitos anos. Um grande erro das empresas é achar que as suas manifestações podem ser mudadas o tempo todo quando, na verdade, o consumidor não está tendo tempo de memorizar aquela marca, de construir as associações que o trabalho de branding traça. E é preciso ter em mente que essa construção pode demorar anos.
Existe diferença de branding para uma empresa menor e para uma grande organização?
Todo processo de branding tem diferença, já que quando falamos de identidade, cada empresa tem a sua. Mas a principal está no momento que cada empresa está vivendo, se é um rebranding ou a criação do branding de fato. No primeiro caso a construção da estratégia vai olhar muito pra história da marca, e nesse processo de mergulhar no passado da empresa, começa um trabalho de reflexão, ou seja, “quem eu sou?”, “de onde eu vim?” e “pra onde eu vou?”. E pra uma marca nova, que é o caso da construção do branding, a gente vai olhar muito pro contexto em que essa marca está inserida, para poder entender o porquê que o mundo precisa dessa marca? o que a marca está se propondo a solucionar?
Então no rebranding olhamos o passado e depois o presente para projetar aquela marca no futuro. E no branding olhamos para o contexto atual e futuro para entender a relevância da proposta daquele negócio para o público. E essa relevância é o que causa a diferenciação daquela marca. Então é entendendo de onde a empresa está partindo que adotamos a estratégia mais adequada para aquela organização.
E quando é necessário que uma marca passe pelo rebranding?
Depende, há duas situações e elas podem acontecer ao mesmo tempo. A primeira é quando a própria empresa identifica que aquela maneira que ela está se apresentando para o mercado não traduz mais o que a marca é, geralmente está ultrapassada, sendo que a empresa está em outro momento. A segunda, é quando a empresa acha que está tudo certo, porém precisa mais de um direcionamento para a comunicação ou um conceito, que não está necessariamente atrelado ao visual. Mas quando partimos para a etapa de pesquisa para entender como a marca está sendo percebida, os clientes e o mercado trazem insights de que a empresa não traduz o que ela acha que transmite. Então quando há um rebranding a gente traça uma nova estratégia e em alguns casos um novo design visual para tornar tangível todo o conceito daquela marca.
Falando em construção de percepção de uma marca, a sociedade tem cobrado muito para que as empresas se posicionem e façam algo em relação às pautas da sociedade, como racial, LGBQIA+ entre outras. Quando e como uma marca pode abraçar alguma causa para defender sem parecer oportunista?
Tudo gira em torno da verdade. O branding tem a ver com a identidade, com traduzir uma verdade e com a autenticidade. Uma marca que nunca teve seu propósito, ou seja, qual a contribuição maior que a marca quer oferecer onde ela atua ancorada em algum tema, seja ele qual for, gênero, raça, feminismo, machismo; e de repente começa a levantar aquela bandeira, provavelmente, a imagem que se vai passar é que a organização está se aproveitando do momento, ou seja, sendo oportunista. E marcas que defendem alguma bandeira e não parecem oportunistas, é porque elas não são. Já que aquilo está no seu DNA. A Magazine Luiza tem a Luiza Trajano, uma líder feminina e feminista que abraça questões relacionadas às mulheres, então quando a Magazine se envolve com essa questão não é visto como oportunismo, pois essa já é a imagem projetada pela empresa. Mas isso não significa que marcas que nunca falaram sobre alguma causa, não possam se associar a uma. Por isso existe o trabalho de branding, para entender qual é o propósito daquela empresa e pelo que a sua marca briga, no sentido de qual bandeira ela defende.
E é necessário que toda marca esteja engajada em algum tema social?
Toda marca precisa levantar uma bandeira, mas não precisa ser algo que é tema dos jornais. Essa bandeira não precisa estar ligada a gênero, à raça, à sustentabilidade, política; não necessariamente. A bandeira tem a ver com relevância, por exemplo, o Nubank defende o “banco simples”. Ou seja, não precisa ser um tema social, mas sim com relevância social, por exemplo a empresa MadeiraMadeira que tem como propósito “reinventar a maneira como as pessoas montam às suas casas” é uma bandeira que defende a compra de artigos para casa mais acessível em questão de preço, mais diversificada com um portfólio de mais de 2000 produtos, mais democrática. E essa é uma bandeira que tem relevância para as pessoas. O importante é a empresa se posicionar e não ter medo da sua posição.
E a relevância de uma organização é o que constrói o seu valor. Quais leituras pode-se fazer acerca desse tema?
Há duas leituras sobre valor de marca, a numérica, que pode ser chamada de “Valuation”, calculada através de uma metodologia super complexa que considera ativos tangíveis, como patrimônio físico, quanto aquela empresa vale e quanto vai valer; e ativos intangíveis que é relacionado à percepção do público, ou seja, quanto o consumidor valoriza aquela marca. A Apple é um exemplo desse último ativo, sendo a segunda marca mais valiosa do mundo, ficando atrás apenas do Google, mas não é a maior empresa do mundo – pensando no primeiro ativo. E o que constrói esse valor de marca intangível, e que é um ponto muito trabalhado no branding, são os valores da marca, ou seja, as crenças e a forma de pensar e agir, os pilares; ainda usando a Apple como exemplo, os pilares da marca são: inovação, simplicidade e design primoroso; que são premissas no lançamento de qualquer produto deles, já que forma o DNA da Apple. Sem esses valores o produto não pode ser lançado, porque não corresponde à verdade e o que se espera da marca. E isso é o que constrói a percepção que público tem da marca.
O que o profissional precisa saber sobre a empresa para estabelecer estratégias de branding?
Boa parte dos clientes com os quais trabalhamos aqui na Aurora sabem que têm um problema, mas não sabem o que é. E tem casos de empresas que acham que são algo, mas quando vamos pesquisar internamente e externamente, a visão da organização não é a percepção dos públicos. E muitas vezes isso acontece porque o dono centraliza a cultura e não há branding que resolva uma cultura mal construída, é preciso mudar a cultura. E como saber disso? Na etapa de imersão interna, há uma conversa com o dono, os gestores, o presidente, e todos os outros colaboradores que fazem parte da empresa. E o nosso papel como consultora – o que é o caso aqui da Aurora – é entender o que aquela empresa é, como está sendo vista; para traduzir isso de forma mais clara e que traga maior força pra organização.
Quais são os campos de estudo para se tornar um profissional de branding?
Essa é uma pergunta difícil [rsrs]. Aqui na aurora eu trabalho com designers gráfico, psicólogos, agora eu tenho um antropólogo, eu me apoio muito na filosofia; mas se eu fosse direcionar para um curso, seria o marketing porque o branding é a base dessa área. Isso porque o branding se apoia nas relações entre marcas e seres humanos basicamente, por isso a antropologia, a filosofia e a psicologia estão ligadas a essa estratégia; e para construir essa relação é preciso entender e estudar o ser humano. Mas, mais do que um curso é o perfil do profissional de branding que importa, essa pessoa tem que gostar de ler, ser curiosa, precisa ser inquieta, antenada e gostar de estudar o ser humano. Então é mais sobre gostar dessa área do conhecimento [compreender o ser humano] do que um curso específico. O branding é muito amplo, é multidisciplinar, por isso aqui na Aurora nós somos uma combinação de profissionais multidisciplinares.
Um recado para os futuros publicitários e marketeiros ou gestores de marcas?
Independentemente do curso que você faça: administração, marketing, publicidade, design, todas essas áreas que permeiam o branding, vá além disso, seja inquieto, curioso, fique antenado e seja um profissional com repertório; esteja aberto a novas coisas e conhecimentos.
Como vimos durante a entrevista, possuir uma estratégia bem definida é essencial para o crescimento de uma organização enquanto marca e o branding é o que aponta a direção a ser seguida.